sábado, janeiro 12

de Marco

Postado por Ariana Fernandes às 01:33 0 comentários
Ouvindo Belle & Sebastian ali!  





 Há muito tempo não tinha texto, nem vídeo, nem palavra escrita, muito menos dita. Só o silêncio. Silêncio de copos de whisky vazios e cinzeiros cheios. Silêncios de brigadeiro de panela e Clementine e Joel, e Amelie. Era um silêncio que esmagava o corpo. Uma saudade que ardia, fisicamente. Um amor empoeirado. Na minha mochila de viagem levava apenas pedaços de memórias arranhadas: o colchão, a pele, as ruas, o banco na beira-mar, o cheiro, as escadas, nós dois.  Lembro da primeira vez que o vi. Lindo com aqueles óculos de Harry Potter e aquele ar de quem não leva a vida muito à serio. No auge dos meus quinze anos, se pedissem para descrever o príncipe encantado e portassem papel e caneta, provavelmente sairia um retrato falado desse rapaz. Veio o encontro. O beijo, o sexo, o primeiro orgasmo. A conversa sobre sorvete. Mesmo se ele fizesse uns dreds no cabelo e fosse viver vendendo pulseirinha na rua, ou se tirasse a barba e se transformasse em um executivo engravatado, ainda assim, seria o príncipe encantado dos meus quinze anos. E esse quadro nunca será retirado da parede da memória.

[...]

E de repente, não mais que de repente.
Amarro minhas duvidas junto com os cabelos e escrevo na parede com giz de cera vermelho uma frase, uma fala, um filme, que rasga meu pulso deixando muito à mostra.
"É isso, Joel. Logo, logo estará terminado"
O tempo não perdoa nunca.
E a vida passa.
E os sentimentos, mesmo guardados, mesmo tão cuidadosamente ajeitados em um coração bagunçado, também ficam com gosto de geladeira. E comida requentada nunca é boa.
O que marcou na minha pele não se lava.
A voz ecoando na cabeça. Falaríamos de amor numa próxima cama?


Não é um fim. É apenas o começo do resto. A perda da ilusão. A queda de um ícone. O príncipe indo embora, enquanto o cavalo branco vai deixando um rastro de merda.







Mas a verdade verdadeira, que ninguém sabe a não ser os passarinhos, é que o príncipe não vai embora. Porque o que se infiltra no lado de dentro, não saí nunca mais.
E o menino vai continuar tendo sorriso doce. Óculos redondo e olhar sapeca.
E vai sempre falar de sorvete.
O carinho está em quem lembra dos detalhes.
Não importa o tempo, as mudanças no mundo ou na alma.
O que é de verdade, fica!

O diabo mora na maçaneta

Postado por Ariana Fernandes às 01:04 0 comentários
"Ele mora sim, meu bem, eu já te explico.
Antes eu quero dizer que senti saudades, saudades como há muito não sentia. Dizer que muita coisa mudou e eu também. Estou de cabelo novo, roupa nova, amor novo, casa nova. E você continua aí, me parecendo tão ou mais igual do que era antes.
Saudades de ter saudades da véspera de suas idas e voltas, porque o Diabo também mora na véspera e nos detalhes, mas disso você já sabe.
Mas agora é tudo diferente, ano novo, novas promessas, amigos novos até.
E você aí, olhando pra mim, como quem enxerga o avesso de minha alma. Você que vai ficar aí pra sempre, sem que eu possa te tocar, sem que eu queira a fundo te tocar. E você me pergunta: o que tudo isso tem a ver?
Eu te digo, é fácil: você vai e cada vez que volta bagunça minha vida, desarruma o que tá ajeitado e suja o que em mim está limpo.
Com as mãos sujas, um menino entra no banheiro, gira a maçaneta e lava as mãos. Quando ele sai, toca de novo na maçaneta, sujando as mãos.
E nesse jogo de suja-limpa o menino toca a vida dele. É assim com você: vou tocando a vida entre suas idas e vindas, seus altos e baixos.
E sabe do mais interessante? É que no futuro, depois que a porta estiver carcomida de cupins e as dobradiças de metal estiverem enferrujadas, quando nem o banheiro e nem o menino existirem mais nesse mundo, a maçaneta ainda vai estar ali. Imóvel, suja e eterna."


Bruno Carvalho é blogueiro (e é "tudo" que eu sei).